Por Dc. Alair Alcântara
1 No Senhor confio; como dizeis à minha alma: Fugi para a vossa montanha como pássaro?
Não há um consenso sobre quem disse a alma (pessoa) de Davi para fugir – se algum amigo preocupado, como Pedro medrosamente aconselhou Cristo a não ir à cruz (1); ou algum inimigo zombando de Davi. A verdade é que Davi tinha um refúgio melhor: “No Senhor confio” – responde aos seus interlocutores; portanto “por que fugir quando se pode confiar?” (2).
Assim como Davi, somos constantemente “encorajados” ao desespero, à fuga, a largar tudo e buscar um refúgio. Somos atemorizados por nossos problemas e por nossos perseguidores. Porém, não podemos abrir mão da promessa de Deus, não podemos recuar quando Ele nos afirma estar presente conosco. Da forma que Davi confiava no Senhor e cria este ser o caminho mais excelente; tenha ó minha alma, o mesmo sentimento! Nunca nos permita esquecer Senhor, que Tu estás conosco todos os dias e prometestes ser nosso Deus; nós, Teus filhos; e que habitarias em nosso meio!
2 Pois eis que os ímpios armam o arco, põem as flechas na corda, para com elas atirarem, às escuras, aos retos de coração.
Os perversos estão sempre de tocaia. Sua vida consiste em aguardar a oportunidade para desempenhar o papel à qual foram por Deus entregues. Nossa vida corre constantemente perigo – ou olvidaremos as declarações: “por amor de ti enfrentamos a morte todos os dias; somos considerados como ovelhas destinadas ao matadouro” (3). O verso dá a entender que não apenas ardilosamente e secretamente os ímpios tramam; mas que os “retos de coração”, nem escondidos, “às escuras” estão livres de seu importúnio. Se não fora pelo Senhor, certamente seríamos consumidos.
3 Se forem destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?
“Fundamentos” – para alguns, ordem social (talvez a lei e a ordem da mesma); para outros, alegoricamente, os sacerdotes do Deus vivo que haviam sido mortos por Saul; ainda outros, simplesmente o fato de que Davi não tinha um lugar seguro para colocar seus pés. O fato é que, olhando pelo prisma neotestamentário, encontro uma alusão ao Único fundamento sólido para nós, ao qual Davi recorreu: o Senhor!
Nós justificados por Deus, sendo assim vistos como justos na literatura sapiencial; quando parece que estamos perdidos por não haver mais fundamentos, estamos seguros. Isso porque o ímpio não pode nem contemplar nosso Fundamento eterno! “Que poderá fazer o justo?” – pergunta o texto. Nada, além de se estar estribado no Senhor! “Que poderá fazer O justo?” – pergunto eu. O próprio salmista responde: tudo, pois também “o Senhor é justo” (verso 7). Os fundamentos do mundo podem ser abalados e derribados, mas confie no fundamento eterno – a promessa dAquele que não pode negar a Si mesmo. Senhor, não permita que tenhamos o mesmo fundamento frágil que o ímpio – a areia; mas que lembremos que ouvindo Tuas palavras – e as praticando com o auxílio de Teu Espírito, estamos sobre a rocha!
4 O Senhor está no seu santo templo, o trono do Senhor está nos céus; os seus olhos estão atentos, e as suas pálpebras provam os filhos dos homens.
5 O Senhor prova o justo; porém ao ímpio e ao que ama a violência odeia a sua alma.
Davi “não diz simplesmente que Deus habita o Céu; mas que Ele reina lá” (4). Oh, Senhor, Tua criação, embora em contínua expansão não pode Te conter, sendo transcendente a ela; e que não a deixas sem cuidado, pois envolve-Te pessoalmente com ela, e em nosso meio – imanente em nosso interior através de Teu Santo Espírito, concede fé suficiente nesta verdade de modo que não tenhamos temor a situações nem pessoas. Que possamos temer apenas o que pode matar a alma; e que interroguemos nossa alma – o que me pode fazer o homem? – uma vez que estamos seguros em Tuas mãos!
Quando Deus segura por algum tempo Seus juízos, Seu exercício de jurisdição, ainda que estejamos em apuros sem entender o porquê; descansemos na certeza que tudo está em Seu controle misericordioso. “Nada pode perturbar a estabilidade e a tranquilidade de Deus. Ainda assim, Ele se preocupa com o que os filhos dos homens fazem” (5). Deus está atento a tudo o que acontece – com o desespero do inocente e com a malignidade do ímpio. O homem mal, folga na aparente demora em ser castigado – como se nada houvesse que pudesse temer, ou tirá-lo de seu status de domínio.
Parafraseando Jonathan Edwards: “há razão para pensar que há muitos que estão lendo este discurso (texto itálico meu) que serão objetos desta mesma miséria por toda a eternidade” que “se lembrarão deste discurso no inferno” (6). Não apenas o ímpio, mas o frequentador de Igreja que não foi regenerado, ambos imaginam que Deus está distante e indiferente ao seu modo de vida. “Sua imobilidade (de Deus) não é inércia mas, sim, concentração, e Sua paciência dá oportunidade para justos e ímpios igualmente, demonstrarem aquilo que são” (7).
Fazendo um jogo de palavras entre as traduções da palavra “prova” (alguns traduzem aprovam) e dentro do contexto em que Deus observa a todos, prova (ou aprova) o justo e reprova o ímpio; posso dizer que o justo é aprovado mediante aprovação. Assim, todo o processo de sofrimento é como o do ourives, purificando a jóia, ou seja, ainda que seja um momento dolorido, resultará em maior glória a Deus. Desta maneira, se você está sofrendo em angústias neste momento, avalie-se e descubra se você de fato têm em Deus seu único refúgio. Se sim, este momento irá passar e você sairá fortalecido. Se não, hoje é o dia de se consertar e abraçar o Mediador divino, a saber, Jesus o Cristo.
Mas como já foi escrito, nós demonstramos aquilo que nós somos – que nós fomos feitos; ou vaso para honra, ou vaso para desonra. Senhor, quando eu ver um vaso desonrando o Teu nome através de maus tratos a mim – que Tua misericórdia me sustente, e não me desespere, tão pouco me ensoberbeça. Se me vir Te desonrando, dá-me através de Teu Santo Espírito o quebrantamento para o arrependimento.
6 Sobre os ímpios fará chover laços, fogo, enxofre e vento tempestuoso; isto será a porção do seu copo.
A alusão a Sodoma e Gomorra é evidente e nos ensina, conforme Judas, que “estando sob o castigo do fogo eterno, elas servem de exemplo” (8). A maldade que outrora era motivo de folga, volta-se agora como juízo. É o Senhor que julga, reprova e executa o justo juízo. A taça da ira divina, tão cheia ao longo dos anos será enfim dada aos iníquos; e estes sorverão até a última gota. “Você o beberá, engolindo até a última gota”, profetizou Ezequiel (9).
Resumindo, aqueles que “estão constantemente a motejar de Deus, como se não pudessem ser alcançados, a menos que antes de tudo sejam bem enredados e solidamente presos pelas malhas divinas. Deus, portanto, começa sua vingança armando laços, fechando contra os perversos todas as vias de escape; e quando os tem enredados e presos, então troveja sobre eles de forma assustadora e terrível, da forma como consumiu Sodoma” (10).
7 Porque o Senhor é justo, e ama a justiça; o seu rosto olha para os retos.
O povo de Deus é observado em suas aflições – e salvo em tempo oportuno. Foi assim no cativeiro egípcio: “Tenho visto atentamente a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor por causa dos seus exatores, porque conheci as suas dores” (11). O justo é amado, pois o Senhor é justo – e foi Ele quem fez o ímpio justo através de Cristo. Assim, estamos sobre “fundamentos” que não podem ser abalados. Mas, o verdadeiro justo é o Senhor, e a justiça faz parte da Sua natureza. Fazendo-nos justos (retos), faz-nos alvos de Seu amor, pois sendo Ele O Justo não pode negar a obra que de Si mesmo vem. Portanto, nossas dificuldades têm três propósitos claros: 1 fazer-nos nos auto-avaliar; 2 purificar; 3 trazer glória ao nome do Senhor. Oh Pai, que nas dificuldades possamos lembrar destes propósitos e exercitando a fé que nos deste e a justiça que compraste para nós, possamos abrir nossos lábios apenas para clamar misericórdia e louvor – e não para murmurar.
Referências:
(1) Mateus 16.22;
(2) MACDONALD, William – Comentário Bíblico Popular Antigo Testamento – Editora Mundo Cristão, p. 380;
(3) Salmos 44.22, conf. Romanos 8.36 e 2Coríntios 4.11;
(4) CALVINO, John – Salmos - comentários; volume 1 – Editora Fiel, p. 216;
(5) MACDONALD, op. cit., p. 380;
(6) EDWARDS, Jonathan – Pecadores nas Mãos de Um Deus Irado e Outros Sermões – CPAD, p. 49;
(7) KIDNER, Derek – Salmos 1-72 - Introdução e Comentário – Edições Vida Nova, p. 90;
(8) Judas 7;
(9) Ezequiel 23.34;
(10) CALVINO, op. cit., p. 380;
(11) Êxodo 3.7.
(11) Êxodo 3.7.
Ave Crux, Unica Spes!
Postado Por Dc. Alair Alcântara
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